É possível que determinadas aptidões inatas de um indivíduo possam ser eclipsadas por outras características, caso estas últimas sejam mais desejadas ou quem sabe mais “normatizadas” perante o meio em que o sujeito está inserido. Pode ser que uma mulher de extrema beleza, tenha algumas de suas demais habilidades escamoteadas, por assim dizer, ou seja, se uma mulher é muito bonita, é natural que o meio ao redor a estimule a usar essa potencialidade, em detrimento de suas outras inclinações. Inclusive, algumas correntes da psicologia explicam que possuímos diversas “personas”, que são como uma espécie de máscara – instâncias de nós mesmos – às quais apresentamos de acordo com a função que estamos exercendo ou de acordo com os diferentes grupos com os quais interagimos. Tais máscaras tendem a se estabelecer, ou tomam mais força, quando recebem aceitação, ou seja, a força de cada máscara é diretamente proporcional ao sucesso que atinge com o “público expectador”. O fato é que muitas vezes deixamos de conhecer alguns aspectos fascinantes de um ser humano, pelo fato de nos determos à uma determinada persona que naquele indivíduo, por algum motivo, se sobrepôs às outras. Se examinarmos a história com um pouco mais de atenção não serão poucos os casos, em que este tipo de situação não nos permitiu conhecer a genialidade de um personagem, principalmente quando se trata de uma mulher.
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Hoje vamos falar sobre Hedy Lamarr, a mulher que possuía uma mente tão brilhante quanto seus olhos verdes, mas que só teve sua genialidade reconhecida anos após sua morte.
Na Viena de 1914, nasce em uma família judia, Hedwig Eva Maria Kieser. Além de uma educação esmerada, recebeu especial atenção do pai, que a acompanhava em longas caminhadas para conversar – entre outras coisas – sobre o mecanismo interno das máquinas, estimulando-a a desenvolver uma mente curiosa que fez com que aos cinco anos de idade, a pequena Hedy montasse e desmontasse sua caixinha de música, apenas para entender seu funcionamento. Mas além de uma mente privilegiada, ela também possuía uma beleza extrema, e por influência de sua mãe pianista, que a matriculou em aulas de ballet e piano desde cedo, seguiu carreira artística.
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Em 1932, aos 18 anos, Hedy estrelou o controverso Ecstasy, primeiro filme da História a exibir uma cena de orgasmo e no ano seguinte ela se casa com Fritz Mandl, um dos homens mais ricos da Áustria, que tinha ligações com o governo nazista e era dono de uma fábrica de armamentos. Parece que a jovem atriz não havia lido detalhadamente o roteiro de Ecstasy, antes de assinar o contrato para participar do filme, e que se sentiu usada pelo diretor, por conta da exposição de seu corpo e pelas cenas sensuais nas quais atuou e isso, somado ao comportamento controlador de seu esposo – que a fez prisioneira dento de sua própria casa – demonstra que sua vida matrimonial e profissional não estava fácil, quando começou a planejar sua fuga.
Em A Única Mulher (Benedict, 2019), livro que tenta contar a biografia da atriz, a trama se inicia quando Mandl conhece Hedy Kieser atuando em uma peça e imediatamente a pede em casamento, ao que ela aceita para proteger a si e à sua família da escalada nazista na Europa. A autora escreve que em 1937 ela consegue fugir do casamento e de seu país, pois a Áustria estava se tornando insegura para os judeus. Existe mais de uma versão sobre sua fuga – todas emocionantes -, mas segundo Lamarr, a futura atriz hollywoodiana fingiu um mal-estar para se retirar de um jantar onde acompanhava o marido, e em seguida empreendeu uma fuga de carro primeiramente até a França, levando as joias mais caras que conseguiu reunir. Após passar pela Inglaterra, Hedy se fixou nos Estados Unidos, onde retomou a carreira de atriz, contracenando com grandes nomes da época, como Clark Gable e Judy Garland sob o nome de Hedy Lamarr, em homenagem à falecida atriz Barbara La Marr. Anos depois, ganharia uma estrela na Calçada de Fama de Los Angeles. Mas isso não acontece antes de Hedy amargar o assédio que as atrizes iniciantes em Hollywood sofrem até hoje.
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De acordo com a narrativa de Marie Benedict, Hedy já chega aos EUA com um contrato vantajoso, assinado por ninguém menos que Louis B. Mayer, chefe do estúdio MGM, mas mesmo após obter fama e sucesso se sentia culpada por não ter feito mais por seu país e para defender os seus, quando estava casada com Mandl, sobretudo porque a mãe ainda estava na Áustria. Por isso, decidiu aliar seu conhecimento sobre armas – adquirido em seu casamento – aos seus conhecimentos artísticos para ajudar a encerrar o conflito.
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Poucos sabiam naquela época, mas a intérprete de Dalila já havia projetado aviões aerodinâmicos para o magnata da aviação Howard Hughes, mas foi em 1940, durante uma festa onde ela conheceu o compositor e inventor George Antheil que Hedy Lamarr teve a inspiração que iria impactar o modus vivendi de todo o mundo. Segundo a história conta, enquanto tocavam juntos algumas músicas ao piano, Lamarr teve a inspiração para a tecnologia do sistema de salto de frequência: enquanto o “transmissor” Antheil tocava os primeiros acordes, a “receptora” acompanhava logo em seguida.
A ideia de manter a sincronia, mesmo com ambos tocando teclas diferentes foi transplantada para a tecnologia de torpedos submarinos. Na época, esse tipo de armamento era controlado por sinais abertos de rádio. Para conter os ataques, a marinha alemã provocava congestionamento na frequência usada na comunicação dos submarinos, causando perda de conexão. Já com o sistema concebido por Lamarr, o sinal fica “pulando” de um canal para o outro, tornando-o imune a essa estratégia de defesa. Se fosse implementada, essa tecnologia colocaria as forças aliadas em grande vantagem.
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O sistema de salto em frequência chegou a ser patenteado em 1942, mas não foi usado durante a Segunda Guerra Mundial. O fato de Lamarr ser uma jovem mulher famosa pesou para que o alto comando dos EUA simplesmente ignorasse suas ideias. Parece que orgasmo feminino e tecnologia não são compatíveis. Além disso, a tecnologia para implementar o sistema era avançada demais para a época. Anos depois, a patente expirou e Lamarr não ganhou nenhum dinheiro com ela. O sistema acabou sendo usado militarmente, mas a tecnologia abriu diversas portas para o uso civil e permitiu a criação de tecnologias de comunicação como GPS, Bluetooth e Wi-Fi.
Hedy Lamarr ou Hedwig Eva Maria Kieser, foi uma mulher de beleza exuberante sim, e com certeza mexeu com a fantasia de muitos homens e mulheres, mas também era inteligente e inventiva, talentosa e espirituosa, que lutou a seu próprio modo, tanto em uma guerra cruel como também em um universo machista que usava mulheres como produto de consumo para os homens. Suas qualidades não foram reconhecidas porque era mulher, absurdamente linda e a sociedade não pôde tolerar que além disso tudo, sua mente fosse superior a de muitos homens. Ela foi impedida de realizar todas as suas potencialidades como ser humano por SER UMA MULHER!
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Apenas em 1997, ela e George Antheil foram reconhecidos pela criação do sistema de comunicação sem fio com o prêmio EFF Pioneer Award, o Oscar da Invenção nos EUA. No ano seguinte, recebeu o prêmio Viktor Kaplan do governo austríaco por sua contribuição para a ciência. Também após sua morte em janeiro de 2000, ela recebeu diversas homenagens póstumas, como um Doodle na homepage do Google em 2015, que marcou seus 101 anos de nascimento. A atriz e inventora também teve asteroide batizado com seu sobrenome artístico.