Sexo, Drogas e Algoritmos

 

Ada Lovelace, – ou Condessa de Lovelace -, é reconhecida como a primeira programadora da história, porque foi a primeira pessoa a escrever um código algorítmico a ser processado por uma máquina. Mas além de matemática brilhante, Ada também foi esposa e mãe, amante, escritora talentosa, presa de vícios como álcool e morfina e ainda com uma queda pela jogatina. Tudo isso no período vitoriano.

 

Em 10 de dezembro de 1815, nasce em Londres, Augusta Ada Byron King, única filha legítima do famoso poeta Lord Byron – ícone do Romantismo inglês e um dos autores mais reverenciados de todos os tempos – de quem Ada herdaria aptidão literária. Infelizmente seu pai não ficou feliz com o nascimento de uma menina, e abandonou a família quando Ada rondava os dois meses de idade. A criança foi criada pela mãe, Anne Isabella Byron, que pertencia à nobreza e se dedicava à ciência, mas alguns dizem que passava muito mais tempo com a avó materna. Parece realmente, que mãe e filha nem sempre mantiveram um bom relacionamento e em uma carta para sua mãe, quando por volta de 30 anos, Ada escreve: “if you can’t give me poetry, can’t you give me “poetical science?”  (Se você não pode me dar poesia, não pode me dar ciência poética?). 

Byron ficou conhecido por sua rebeldia e pelos excessos com álcool, sexo e drogas. Temendo que sua filha seguisse os passos do pai, Lady Byron tentou preservar a saúde mental da menina, incentivando-a a desenvolver o pensamento lógico e matemático,  acreditando que isso iria mantê-la ocupada e quem sabe, equilibrada. Neste ambiente propício aos estudos e às reflexões, a mente de Ada floresceu, unindo sua criatividade às habilidades matemáticas que estava desenvolvendo, demonstrando que as heranças materna e paterna a levariam a focar seus esforços em uma ciência poética.

Ada sempre foi uma criança fortemente imaginativa, apesar da saúde frágil na infância, ela se revela uma garota inventiva, que observa e admira as aves, e que aos 12 anos sonha em voar, tecendo todo um estudo em torno dessa ideia, pesquisando materiais e desenvolvendo técnicas. Como resultado dessa fase ela publica o livro Flyology (traduzido como Estudo do voo), onde compila seus estudos e ideias.

Ada Lovelace jovem

Aos 17 anos de idade, a filha de Anne Byron é apresentada a Mary Somerville, que viria a ser sua amiga e mentora. A figura dessa mulher foi fundamental para a formação de Ada, pois Mary –  matemática e cientista que traduziu e colaborou com os trabalhos de Laplace e foi a primeira mulher a entrar para a Sociedade Real de Astronomia junto com Caroline Hershel – a colocaria em contato com os principais trabalhos que estavam sendo produzidos pelos matemáticos da época. Foi Mary quem a apresentou à Charles Babbage.

Charles Babbage

Naquela época, Charles se dedicava ao projeto da Máquina Diferencial, que tinha como objetivo realizar cálculos de polinômios de forma mecânica – antes do advento da energia elétrica(!) – e Ada fica muito entusiasmada com o assunto, mas o início da parceria só aconteceria tempos depois. Nesse período, ao visitar os parques industriais britânicos, Ada também se interessa pelo tear mecânico de Jacquard, uma máquina que utilizava cartões perfurados para comandar a criação de padrões para a tecelagem.  

Máquina diferencial

Em 1835, Ada se casa com William King, que em 1838 seria nomeado Conde de Lovelace. O casal teve três herdeiros: Byron, Anabella e Ralph. Após o nascimento de sua primeira filha, a saúde da condessa sofreu complicações severas, mas ela decide voltar aos seus estudos, sob a tutela de Augustus de Morgan, pioneiro no campo da lógica simbólica.

Ada também se reaproxima de Babbage, que lhe expõe sua nova invenção: a Máquina Analítica, idealizada para realizar operações de cálculo complexas, e para previsões matemáticas, porém, Ada percebeu que aquela ferramenta tinha potencial para processar também símbolos, incluindo notações musicais e artísticas.

Máquina analítica

O dispositivo criado por Babbage atraiu a atenção de matemáticos do mundo inteiro. Em 1842, num seminário em Turim,  quando Charles expunha os resultados de sua máquina analítica, estava presente o engenheiro e matemático Luigi Menabrea,  que escreveu um artigo em francês sobre o seminário. Destinado à comunidade científica da época, sua transcrição foi publicada em 1842 na Bibliothèque Universelle de Genève. Ada foi encarregada por Charles, de traduzir tal artigo, mas ao executar essa tarefa foi mais além e o texto traduzido era muito maior que o original, pois ela incluiu suas próprias anotações. A tradução foi publicada no “The Ladies’ Diary”  e no Memorial Científico de Taylor sob as iniciais “AAL”.  

As notas de Lovelace foram classificadas alfabeticamente de A a G, e em uma dessas notas, em especial a nota G, é conhecida como o primeiro programa (algoritmo) de computador do mundo. Era um algoritmo que computava os números de Bernoulli, e isso rendeu a ela o título de primeira programadora da história.

Em suas anotações, Ada prevê que a invenção de Babbage não só poderia computar números, mas também manipular imagens e até cifras musicais. Ada desenvolveu uma visão sobre a capacidade dos computadores muito mais ampla que todos os matemáticos de sua época, demonstrando que estava muito à frente de seu tempo, quando concebeu a ideia do que um algoritmo era capaz de fazer. Ada sabia explorar os vários aspectos de uma mesma questão, e devido à sua imaginação privilegiada, tinha uma visão multidisciplinar do invento de Babbage. Era intuitiva no momento de aplicar conceitos matemáticos e científicos e por isso o fazia de forma mais ampla do que a maioria dos cientistas de sua geração, limitados a cálculos e previsões estatísticas. Ela valorizava a metafísica tanto quanto a matemática como ferramentas para explorar o que chamava de “mundos invisíveis ao nosso redor”. 

Museu de Ciência de Londres

Desde o início, a mãe de Ada temia que a filha herdasse o caráter volátil e instável do pai, e que passasse a levar uma vida de transgressões. Mas todo o esforço empregado no sentido de que a filha se transformasse em uma mulher de moral rígida e de vida regrada, não obteve sucesso, pois ela se interessava por corridas de cavalos e até criou um grupo para desenvolver algoritmos para a previsão de resultados, o que a levou a grandes prejuízos financeiros. Ada apreciava o álcool e quando adoeceu gravemente, vítima de um câncer de útero que lhe tiraria a vida aos 36 anos de idade, tornou-se viciada em morfina. A filha de Byron também teve seu nome ligado a vários escândalos por conta de seus casos extra conjugais. De fato, Ada não extrapolou apenas os paradigmas de aplicação de conceitos matemáticos para a vida prática, mas também o conceito do que era permitido a uma mulher de sua época. 

Em vida, Ada Lovelace não teve o seu talento devidamente valorizado. O reconhecimento como pioneira da computação só surgiu após Alan Turing – “o pai da computação moderna” – ter feito referência a seu trabalho quando da criação da Máquina de Turing, que abriu as portas para a invenção dos computadores que utilizamos atualmente.

Linha do tempo – Reconhecimento dos feitos de Ada Lovelace
Homenagem da Google à Ada Lovelace

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