Quando a Dra. Gisele Sessegolo – bióloga, com mais de três décadas em conservação ambiental –teve a ideia de criar uma plataforma que divulgasse cavernas e UCs, e convidou algumas entusiastas da espeleologia para participar desse desafio, já de início, provocou várias discussões entre mulheres de áreas distintas, porque a construção da ferramenta implicaria em uma atividade multidisciplinar – sistemas de informação, biologia, geografia, marketing, etc.
Nesse momento nos demos conta do panorama que as mulheres vivenciam diante de um mundo, onde as qualidades para se exercer determinadas profissões – principalmente aquelas ligadas à ciência -, parecem ter sido definidas sob uma ótica masculina, e que talvez, também a performance de cada profissional esteja sendo avaliada por um prisma masculino.
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Diante dessas questões, decidimos que seria apropriado tratar deste assunto com certa seriedade e que devíamos dedicar um espaço especial para esse debate em nosso blog. E é isso que pretendemos fazer, em uma série de artigos que se pretende publicar nos próximos meses de 2022.
Inicialmente, vamos falar um pouco sobre as mulheres e as ciências tecnológicas, mais precisamente, mulheres e a Ciência da Computação, porque ao pesquisar o assunto descobrimos fatos dignos de uma série documental, que não vai deixar nenhum leitor entediado.
O cenário atual das mulheres no mercado de tecnologia, parece se tratar de um paradoxo. As origens de tal cenário, podem ter relação com o que se observa na proporção de cargos de liderança, que são ocupados por mulheres no Brasil e no mundo, e esta associação é pertinente, pois o recurso tecnológico hoje, está intrinsicamente ligado à sobrevivência das empresas, dos negócios, e consequentemente ligado ao poder. Logo, seguir uma carreira de programadora, pode ser uma boa opção para a mulher que deseja não apenas obter bons salários, mas também alcançar uma posição de comando, dentro de uma empresa privada ou no setor público.
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No presente artigo propomos discutir as possíveis causas que afastam as mulheres da carreira de tecnologia. Primeiramente, tentemos analisar os números atuais.
Segundo pesquisa da Grant Thornton, empresa de auditoria e consultoria presente em todo o mundo, em março de 2022, as mulheres ocupavam 38% dos cargos de liderança no brasil, 35% na América Latina e 32% no mundo. No setor de tecnologia, de acordo com um levantamento realizado pela Catho, os homens ocupam 78,5% dos cargos nessa área, restando para as mulheres exíguos 21,5%. A média entre as várias pesquisas realizadas indica que as mulheres ocupam em torno de 20% dos cargos de TI no mundo. Se compararmos os números das duas categorias, liderança e tecnologia, parece haver certa similaridade. A que se deve tamanha disparidade?
Virginia Woolf (1882-1941), uma das principais escritoras modernistas do século XX e conhecida por apresentar em suas obras questões políticas, sociais e feministas, fala no ensaio de não-ficção A Room of One’s Own, (traduzido para o português como “Um Teto Todo Seu”), sobre a relação entre a condição social da mulher e sua representatividade no campo literário. Woolf (2011, p. 147): “(…) chegou à conclusão – prosaica conclusão – de que é necessário ter quinhentas libras por ano e uma tranca na porta para escrever ficção e poesia“.
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No livro citado ela fala do quão pouco era investido na educação feminina, e de como isso se refletia no números de livros escritos por mulheres, na projeção que estas tinham no ramo literário e ainda sobre da quantidade de livros escritos por homens sobre as mulheres! A autora também afirma que as habilidades precisam ser cultivadas e desenvolvidas e que para isso, recursos materiais se fazem necessários. Mas esse fator pode ser também o elo entre a condição social da mulher e o baixo número de mulheres em cargos de liderança ou seguindo carreiras ligadas à tecnologia. Talvez até, seja possível afirmarmos que atualmente, os recursos direcionados à educação da meninas sejam iguais aos direcionados aos rapazes, no entanto, séculos de escassez de recursos investidos no setor feminino podem ter construído um ambiente tão desfavorável para a mulher, que serão necessários anos da prática de uma situação inversa, ou seja, da adoção de políticas de investimento massivo na educação e empoderamento feminino. Ainda assim, é importante lembrar que na Suécia – país onde a luta pela igualdade caminha de mãos dadas com a maior taxa de violência contra a mulher na UE -, o resultado pífio obtido em ações de incentivo à mulher, para que ocupe cargos de comando e se interesse por carreiras que envolvam tecnologia, alerta para o fato de que o assunto do qual tratamos pode envolver uma série de fatores isolados, inseridos em um contexto muito mais complexo.
Provavelmente, para entender tais números, será necessário irmos ainda mais fundo na questão da desigualdade entre os gêneros e de que forma ela foi se desenvolvendo.
Em seu festejado Sapiens-Uma Breve História da Humanidade, Yuval Harari diz que nenhuma teoria explica o número esmagador de sociedades patriarcais, em detrimento das matriarcais, desde o estabelecimento do ser humano como agricultor, e destaca que isso é um contrassenso, visto que a a mulher parece possuir um número maior de qualidades associadas à capacidade de liderar. Harari (2011), estabelece essa situação da seguinte forma.
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“(…) mulheres frequentemente são estereotipadas como melhores manipuladoras e apaziguadoras que os homens e são famosas por sua capacidade superior de enxergar as coisas da perspectiva dos outros. Se há alguma verdade nesses estereótipos, então as mulheres teriam sido excelentes políticas e construtoras de impérios, deixando o trabalho sujo nos campos de batalha para os machos carregados de testosterona e desprovidos de sutileza. Apesar dos mitos populares, isso raras vezes aconteceu no mundo real. Não está nem um pouco claro qual seria o motivo.”
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Então, segundo esse autor, parece que as hierarquias sociopolíticas são mais como produtos de mitos e estereótipos, que foram associados às qualidades ou potencias de cada sexo, de que do resultado de avaliações com base lógica ou biológica. Parece que a perpetuação de tais ideias, é responsável por manter esse estado de coisas. Esse tipo de argumento é discutido por ele, tanto no contexto das dificuldades enfrentadas por negros, por pessoas mais pobres e por fim pelas mulheres. A partir daí, podemos concluir que é possível que paradigmas como o de que seres humanos do sexo masculino detenham de forma quase que exclusiva, as qualidades necessárias para quem precisa resolver problemas através do pensamento computacional, como: maior capacidade de construir pensamento lógico; habilidade inata para reconhecer padrões; facilidade no desenvolvimento de raciocínio abstrato e na criação de algoritmos, é possível que este paradigma também tenha sido construído pela sociedade, sem nenhuma base concreta e que não tenha se originado em algum aspecto real da personalidade feminina ou masculina. Uma prova disso é que durante as décadas de 1960-80, as mulheres dominaram o mercado de engenharia de software, enquanto a parte do hardware ficava com os homens. De alguma forma, parece que quando as carreiras de desenvolvimento de software se tornaram atrativas do ponto de vista financeiro, as mulheres começaram a perder o espaço, ao ponto de hoje ocuparem um lugar medíocre nessa área. No entanto, é possível comprovar através de fatos históricos, o protagonismo da mulher na construção de um segmento da tecnologia que mudou a face do planeta. E é o que pretendemos fazer neste mês de setembro. Vamos contar a história de algumas mulheres notáveis e suas contribuições na construção da Ciência da Computação. Acompanhe-nos no desvendar desse aspecto do mundo feminino que parece ter sofrido uma espécie de ocultamento histórico.
No próximo artigo falaremos sobre a Condessa Lovelace, filha do famoso poeta Lord Byron, e que escreveu o primeiro código de programação de que se tem notícia, muitos anos antes de Alan Turing, considerado o pai da computação moderna.
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