A odisséia das visitas e o perrengue chique na Guatemala!

Muitas vezes as pessoas não fazem ideia do nível de esforço para se chegar a algum lugar que representa um sonho, especialmente na natureza.

Gisele C. Sessegolo – Bióloga

GEEP-Açungui/ eCaves/ Ecossistema Consultoria Ambiental

Florestas de altitude. Foto: Gisele C. Sessegolo

Muitas vezes as pessoas não fazem idéia do nível de esforço para se chegar a algum lugar que representa um sonho, especialmente na natureza. Estruturas limitadas, condições de rodovias, transportes e segurança não muito adequadas, variações de altitude, comida temperada e diferente, entre tantos outros…

Por isso, optei por contar aqui minha aventura para chegar em alguns lugares dos meus sonhos na Guatemala, em 2011.

Localização das atrações visitadas na Guatemala

Tive a oportunidade de participar de um curso na Guatemala, através da TNC (The Nature Conservancy). Foi uma experiência muito gratificante, que me trouxe contato a novas metodologias de conservação da natureza.

Usando trajes típicos, em Antigua. Foto: Gisele C. Sessegolo

Ficamos em um hotel confortável, centrados no curso, e lá fazíamos também as refeições. Lembro que no prato do almoço vinha salada, uma carne e sempre algo a mais muito temperado com pimenta. Esse misto de legumes com chili, todos os dias era por mim então separado e fazia a alegria de um professor mexicano, que enriquecia suas refeições, a seu gosto. E eu, sensível a mudanças alimentares, achando que estava me resguardando de ter alguma reação alérgica ou gastrointestinal.

Mas no último dia do curso, quando tínhamos uma saída de campo, à medida que íamos visitando diferentes regiões e paisagens e alcançando altitudes mais altas, eu fui passando mal, e mal, e mais mal… Depois de algumas horas, devido ao quadro de piora, a coordenação do curso chamou um carro pra me levar direto ao hospital, enquanto a turma prosseguiria no campo. Eu achava que o mal estar estava todo relacionado a altitude, mas não no final das contas fiquei quase 24 h internada num hospital devido a intoxicação alimentar e desidratação, e perdi as atividades finais do curso! Furada umas dez vezes até acharem alguma veia, retornei ao hotel no dia seguinte já a tempo de pegar as malas e seguir a Antigua.

Descansei um dia em Antigua, e me organizei para visitar alguns locais que seriam o sonho de qualquer espeleólogo: as formações de Semuc Champey e as Grutas de Lanquín, no Parque Nacional do mesmo nome.

Contratado o transporte e a acomodação, meu passeio iria começar por Semuc Champey. No meio da tarde, eis que chega então a van na minha pousada, e para minha surpresa descubro que como fiquei por último, o local que me destinaram representava um banco dobrável na porta da van – sobre a escada, sem apoio e sem encosto….! Seria uma viagem de horas ao interior da Guatemala extremamente mal acomodada. Vendo que havia uma vaga no banco da frente entre o motorista e o passageiro da direita, pedi para me sentar lá e assim seguimos a viagem.

Estava tudo indo bem, até que logo após o anoitecer um jumento que estava ao lado na estrada decidiu fazer uma manobra à esquerda, ao se assustar com o veículo, e se chocou frontalmente com nossa van. Pior eu só vi uma cabeça de jumento vindo em minha direção no centro do vidro…! Ele veio de frente, bateu contra o carro e o vidro, mas por sorte não entrou carro adentro porque a van era alta. Vidro estraçalhado e jumento caído a frente do carro…Surpreendente é que um pouco depois o tal jumento levantou e saiu trotando, seguindo em seu caminho, enquanto isso nós lá, sem condições de seguir viagem…!

Eu só pensava nas manchetes potenciais publicadas mundo afora: “bióloga brasileira morre ao se chocar cara a cara com jumento na Guatemala”!

Passado o susto, algumas horas depois, chega a nova van que ia permitir prosseguirmos caminho adiante. Ok, seguimos viagem.

Quando chegamos na região de Semuc Champey, onde eu havia reservado uma suíte numa pousada, era tarde da noite, e o breu era total. Aquela região não tinha energia elétrica e eles usavam geradores até as 22 horas. Perguntada se meu quarto era individual ou comunitário, nos dividiram em dois grupos. Lembro que naquela escuridão enorme eu somente ouvia um rio gigantesco e caudaloso, que parecia estar quase abaixo dos meus pés.

Pior, que limitada na bagagem eu não havia levado lanterna, e a pessoa que foi me levar até meu quarto simplesmente queria me largar lá no breu total. Não havia velas, ou qualquer tipo de iluminação. Pedi muito que ele me emprestasse sua lanterna, de modo a que eu tivesse como me instalar para dormir, o que enfim, ele acabou cedendo.

Mas quando enfim, fui me deitar, começou um barulho enorme em volta das paredes do meu quarto, de algo sendo arrastado, madeiras, gente correndo, e sabe se Deus mais o que…Fiquei apavorada que não conseguia ter idéia do que estava acontecendo e o que aquilo representava de ameaça, empurrei os móveis para a porta e fiquei ali encolhida na cama, esperando o que estaria por vir… Em algum momento isso se acalmou e eu desmaiei de sono, despertando no amanhecer.

Enfim abri a porta, e me deparei com um vale encantador, onde logo abaixo se descortinava o rio tão caudaloso… a paisagem era linda, entre as florestas, vales, rios e ainda a névoa da manhã.

Mas daqui a pouco em uma escadinha de madeira, logo acima da minha cabeça, começam a descer estrangeiros, que provavelmente estavam no forro do meu quarto, no tal comunitário…e aí começou a fazer sentido toda aquela barulhada da noite…. em volta de mim…

Bem seguindo para o objetivo do dia, enfim, Semuc Champey (Monumento Natural Semuc Champey, localizado na coordenada 15° 32′ 00″ N; 89° 57′ 40″ W). O local ficava há alguns minutos de caminhada a pé da pousada, mas me assustei na entrada com a presença de guardas armados com fuzis….! Pensei, meu Deus, onde vim me meter?

Segui trilha adentro, conheci os travertinos maravilhosos junto ao rio, mergulhei, contemplei e foi muito especial de fato, pela conjunção de paisagens únicas e águas cristalinas. Na porção inferior, havia uma floresta em meio aos travertinos, e a paisagem era de uma beleza impar!

Monumento Natural Semuc Champey. Foto: Getty Images.

A tarde tomei a estrada com novo transporte em direção a região do Parque Nacional das Grutas de Lanquín, objetivo do próximo dia.

Usei um tuc-tuc, como opção de transporte até as Grutas de Lanquín (localizada nas coordenada 37° 11′ 13″ N; 86° 06′ 05″ W) . Efetuei uma visita com um guia de cerca de 10 a 11 anos, que escalava aqueles condutos escorregadios somente de chinelos….A gruta possuía um rio enorme, grandes condutos, locais muito bonitos,  altares dos Maias… A rocha predominante é o calcário. Sua dissolução dá origem a belos espeleotemas, como estalactites e estalagmites.

Mas o maior destaque e uma das experiências mais marcantes da minha vida foi se posicionar junto a principal boca, ao final da tarde e presenciar a saída de milhares de morcegos, naquela bat cave.  Testemunhar os processos naturais e ecológicos dessa dimensão é algo muito especial para quem atua com conservação de cavernas e da biodiversidade!

Na saída, notando que o tamanho dos pés do menino não era tão distinto dos meus, acabei deixando minha amada bota de caminhada de presente, e retornei de meias pelas ruas a caminho do hotel. Eu teria condições de adquirir outra, e ele estaria trabalhando em condições mais apropriadas de segurança e conforto!

Retornei a Antigua, para o outro dia fazer meu último grande passeio, a visita a um vulcão ativo nas proximidades denominado Pacaya. Somente eu havia esquecido de um detalhe, doada a bota de caminhada, só me restava uma sandália…como usaria isso pra subir uma encosta de vulcão ativo? Corri para uma feirinha popular encontrar algum calcado fechado, e encontrei um tênis totalmente branco….!! kkkk Lá ia eu na encosta cinzenta de lavas de um vulcão ativo caminhar com aquele calçado, mas era o que havia….!

Iniciada a trilha, vendo o desnível, e considerando meu histórico recente com altitudes, optei por contratar uma guia e um cavalo, para poder subir em melhores condições. Enfim, alcançado o objetivo de estar no vulcão, até onde as condições de segurança permitiam, junto a um rio ativo de lava…lá tiraram do bolso, os americanos, seus marshmellows para aquecer no calor da lava ativa. Fiquei imaginando se aquilo não podia causar alguma intoxicação, afinal o gás sulfídrico estava por tudo, e por isso não aceitei o petisco!

Voltando da visita ao vulcão, deixei os tênis de presente no quarto do hotel e preparei minha volta ao Brasil. Dois dias depois, naquela mesma encosta, onde tantos turistas estavam, o vulcão ativo cuspiu rochas, e algumas atingiram uma turista que infelizmente morreu no local.

De fato, o risco de visitar um local como aquele é de fazer pensar se está correto levar as pessoas tão longe, pois os processos naturais representam riscos, e será que todo o risco vale a pena o risco da morte? Sei que como havia postado uma foto no local, vieram inúmeros amigos apavorados, querendo saber se eu estava bem e se nada havia me passado… e eu ufa…escapei de mais essa!

Hoje, olhando pra trás eu vejo que toda minha viagem em diferentes momentos foi permeada pela insegurança e por riscos! Ainda assim, se me perguntarem “faria de novo?” Eu responderia que sim, faria, somente iria com equipamentos mais adequados e maior apoio!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *